A tarde em Kalighat foi muito "forte". Na casa dos moribundos, tratamos pessoas (as raparigas tratam das mulheres e os rapazes dos homens) que estao literalmente a morrer. Trata-se de lhes dar um pouco de cuidado, carinho e companhia no final das suas vidas para que morram com alguma dignidade.
Foi muito muito impressionante. Nao tinha ainda escrito nada de muito especifico sobre o que tenho feito em Daya Dan mas hoje, depois da ida a Kalighat e dum primeiro dia de voluntariado mais a seria, queria contar um pouco melhor o que tenho testemunhado.
Em Daya Dan, como ja aqui escrevi, "trabalhamos" com criancas deficientes. Eu estou no 2nd Floor, ou seja, com criancas mais novas e sobretudo mais dependentes. Tem desde os 2-3 anos ate aos 12 e tem deficiencias mentais mas tambem fisicas profundas. A maioria delas nao fala sequer e algumas estao de tal forma tortas ou deformadas que nem se conseguem mexer sozinhas... uma das raparigas com quem estive no primeiro dia por exemplo, a Angel, tem 12 anos e tem a bacia completamente torta, o que por sua vez lhe torce as pernas e tambem as costas. Assim, esta sempre tensa, com os musculos todos contraidos. E como uma boneca "partida".
De manha chegamos e ajudamos as irmas com que e preciso: lavar as criancas, vesti-las (o que, no caso da Angel e de quase todas as outras e mais complicado do que parece), fazer as camas, lavar a roupa, etc. Quando as tarefas "domesticas" estao acabadas, estamos com as criancas, fazemos-lhes exercicios (massagens, tentar esticar os bracos e pernas, descontrair) e estamos simplesmente com elas, a dar-lhes mimo. Depois damos-lhes o almoco, arrumamos as coisas e vamos embora. Podemos cantar, jogar, falar-lhes e tentar estimula-las. Como dizem as irmas, ha que usar a imaginacao!
Eu tenho dado banho e vestido as criancas, faco-lhes exercicios e de tudo dou-lhes o maximo de mimo que posso, quando lhes arranco um sorriso ou quando hoje a Angeli, por exemplo, que tem uma deficiencia mental e passa o tempo todo de olhos fechados e como que adormecida, me apertou um bocadinho de nada a mao enquanto lhe fazia festinhas fiquei... FELIZ! E uma sensacao incrivel... Estas criancas sao luzinhas prisioneiras, fechadas dentro dum corpo ou de uma doenca mental... Mas brilham. Quando se riem para mim ou quando me olham para mim e me veem, essa luz torna-se-me visivel!
Em Kalighat, encontrei mulheres velhas - mas tambem raparigas novas - esqueleticas, doentes, umas com sarna, umas mudas de tristeza, outras (muitas) ja sem qualquer sanidade mental... por fim, mulheres muito frageis e dependentes, como criancas.
Tambem estavam la mulheres num estado miseravel, que quando nos aproximavamos, nos falavam, nos ajudavam e ensinavam a ajuda-las. Pessoas muito muito velhas de corpo mas completamente conscientes e vivas de espirito, conscientes de si. Acho que este ultimo caso e o que mais me impressiona.
Adorei o meu dia. Nada me petrificou ou abalou, embora muita coisa me tenha comovido profundamente. Tenho tido sempre uma grande calma e ainda nao percebi se e porque tenho a capacidade (que ate aqui desconhecia) de lidar bem com estas realidades ou se pelo contrario, estou assim precisamente porque ainda nao a consciencializei plenamente.
Em todo o caso ficou decidido: estou inscrita em Daya Dan nas manhas mas, se me deixarem, irei a Kaligha as tardes! :)
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Querida Ia,
ResponderEliminarNoutro dia a ler-te não sei porquê "perdi" este post... Queria dizer-te qualquer coisa mas tudo parece insignificante ao pé da tua descrição do second floor e do resto. Quis (e não quis) estar aí contigo a dar mimos a pequenos e grandes. Um grande beijo e muita força, desejo-te muitas ocasiões de te sentir e fazer os outros FELIZES
Pipa